Você fugiu como um trem desgovernado, e eu tenho estado de luto desde então, meu coração está batendo como um barco a vapor, o
resto das coisas que eu não te disse, eu me digo baixinho.
Para não enlouquecer sem você, eu me agarro àquela lembrança desfocada e amarelada de quando você me abraçou pela última vez, e saio pela rua fingindo que existe vida lá fora, e me pego tentando lembrar, com um esforço que quase me faz esquecer porque nos afastamos.
E me vejo tentando seguir em frente, mas eu fico estática, para não desmontar e me espalhar pelo mundo.
Não quero sujar nosso amor com a minha mania de amar despedaçada e esfarelada.
Não quero que nossa história se transforme numa piada com minhas amigas, porque ainda dói ainda me ver checando sua última visualização.
Eu esqueço a briga e todo o resto, porque quero ficar toda inteira pra quando você me quiser de volta.
Ainda não apaguei nossa conversa, nem nossas fotos, e nem suas mensagens de voz, porque tem dias que tudo o que eu quero, é que nada mudou, e que ainda somos os mesmos
daquele final de dezembro.
Tenho medo do tempo que passa arrancando partes de mim, de nós, te arrastando pra longe de mim. Não quero ouvir ninguém, não quero saber de nada, não quero sentir nada. Não quero sair com alguém. Quero esperar você voltar, enquanto tento me reerguer no meu luto, porque tenho medo de me recuperar, e nunca mais ser sua.
Imagine se, por causa daquele longo adeus que eu dei e que nunca mais acabou, porque o adeus definitivo dói demais. Mas você foi tão covarde que nem me disse Adeus, deve ser por isso que não consigo seguir em frente. Imagine se você me encontra sem joelhos porque resolvi contar a Deus o quanto ainda confundo amor com escravidão?
Imagine só você me encontrar sem fígado, porque você mesmo o deixou naquele pote estranho em cima do móvel da cozinha enquanto me contava coisas que eu não queria saber?
Não posso ser uma mulher incompleta, tem tanto amor dentro de mim que, mesmo eu sendo inteira, quase já não cabe. Mas se eu der um passo, um passo apenas, eu vou deixar um rastro do que eu fui pra você e você vai querer voltar pra casa como um cachorrinho fiel, mas não vai mais ter casa.
Então eu cerro os olhos, trinco os dentes, fecho os punhos, engulo a seco, e espero você chegar, porque só você me vira do avesso sem perder nenhum grão de mim.
O resto das coisas do mundo quer sempre fazer trocas, o resto me dá vida, mas quer sempre meus pedaços.
E eu acho uma traição sair por aí dando pedaços do meu pulmão para ares mais leves, pedaços do meu coração para risos mais despretenciosos, pedaços do meu umbigo para momentos de altruísmo
.
A vida fica surda sem você, porque o volume do mundo abaixa para ouvir meu grito interno, porque é tudo o que existe agora. Eu sei que parece clichê, mas a vida nunca mais foi a mesma depois de você. Sem você sinto essa felicidade sem som, como se, por maior que fosse um sentimento, ele já nascesse com defeito.
Eu sei que as ruas vão continuar com seus lixos, seus cinzas e suas possibilidades de destino. Eu sei que a poeira vai continuar dançando em volta do meu lustre enquanto eu tento me concentrar em duas ou três frases de um livro qualquer.
Eu sei que eu posso muitas coisas sem você, e eu sei que, se eu tomar um banho quente e comprar uma roupa nova, talvez eu possa querer uma coisa que seja, só uma, sem você.
Nada muda no mundo quando você não caminha ao meu lado, as pessoas quase não percebem que falta metade do meu corpo e que eu não posso ser muito simpática porque toda a minha energia está concentrada para eu não tombar.
Ainda me pego encerrando um domingo, na esperança de que deus cance de me punir.
Ninguém deixa de sorrir só porque você não está aqui, eu sei que existe graça nas outras pessoas, mas eu ainda lembro como você molhava a torrada no café e falava com voz idiota enquanto boceja.
E eu odeio o mundo por isso, eu acho o mundo muito medíocre, eu tenho pena de todas essas pessoas que não sabem o que é encaixar o rosto no vão das suas costas e querer ser embalsamado ali por mil anos.
Amor de verdade não acaba, é o que dizem, mas eu tenho medo. Eu tenho medo de que você se amarre em outro cabelo loiro, que não o meu, que você ache a piada de outra pessoa mais engraçada que a minha, e que o signo dela seja capricórnio, e vocês se encaixem tão bem quanto duas peças correspondentes a um mesmo quebra cabeça, eu tenho medo dos meus pedaços espalhados pelo mundo se amarre em alguém.
Eu tenho medo de deixar tudo o que dissemos, tudo o que prometemos, tudo que planejamos ir, e isso se tornar tão obsoleto, que me faria questionar, porque eu te amava, tenho medo de tudo isso apagar e o vento levar suas cinzas, desse fogo todo ser de palha, como dizem. Da dor que se dissipa a cada respirada mais funda e cheia de coragem de ser só.
Eu tenho medo da força absurda que eu sinto sem você, de como eu tenho muito mais certeza de mim sem você, de como eu posso ser até mais feliz sem você.
Pra não pensar na falta, eu me encho de coisas por aí. Me encho de amigos, bares, charmes, possibilidades, livros, músicas, descobertas solitárias e momentos introspectivos andando ao Sol,
mas lembro da porra da falta que tu me faz.
O tempo está mais implacável do que a caixa que eu fiz com os meus próprios pedaços para me guardar para você.
Eu já quase quero ficar cega pro resto do mundo,
porque sei que um dia sua imagem vai sumir junto, porque
lembrar de você ainda tem o poder de estancar a fresta aberta no meu peito.
O resto das coisas que eu guardei de nós continua encapado por um plástico vagabundo, pedindo que eu espere mais um pouco para rasgar tudo e voltar a ser eu mesma. Minha vida ficou velha quando te conheci e todo o esforço que eu faço para não morrer a cada segundo longe de você, me enfraquece como uma bailarina sem os pés, e perdida
.
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